terça-feira, 4 de abril de 2017

Guto Ferreira: "Nem Jesus Cristo agradou à todos"

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O técnico Guto Ferreira, com todas as contestações e críticas de parte de torcida, se mantém firme e forme no comando do Bahia há 281 dias, algo raro no futebol brasileiro. Desde junho de 2016, quando assumiu o clube e terminou o ano com a missão cumprida de levar o Esquadrão de volta à Série A, o treinador é bastante contestado apesar do bom aproveitamento, um dos melhores se comparado com os últimos treinadores. Diga-se, depois da derrota para o Vila Nova em julho do ano passado, o Tricolor não perdeu mais atuando como mandante, seja em Pituaçu ou Arena Fonte Nova.

Em 2017, o Bahia mantém os 100% de aproveitamento atuando em casa, é um dos times que menos tomou gol na temporada entre os 20 da Série A, terminou a primeira fase e quartas da Copa do Nordeste como líder geral, se classificou no Campeonato Baiano sem sustos mesmo utilizando time B em quase todas as partidas. O único revés no ano veio justamente em jogo único e decisivo pela Copa do Brasil, onde acabou sendo eliminado para o Paraná e dando adeus precocemente à competição nacional, o que aumentou a desconfiança de parte da torcida, no entanto, ainda assim, é inevitável que Guto diante das suas limitações vem tentando fazer o time evoluir em campo e somente nas fases decisivas do Baiano e Copa do Nordeste, veremos sua real capacidade. 

VEJA A ENTREVISTA COMPLETA COM O TÉCNICO DO BAHIA:

Guto, você está há quase um ano no Bahia, tempo que poucos técnicos conseguiram atingir nos últimos anos. Se sente realizado?
Nos clubes que tenho passado, tenho conseguido atingir e terminar o ano para renovar na sequência por ter atingido os objetivos traçados. Espero que na sequência a gente possa alcançar nossos objetivos. Conseguimos no ano passado. Com dificuldades, sim, mas o que não tem dificuldade não tem valor. Só quem está no cotidiano sabe do tamanho da dificuldade. Se fosse fácil, não teria valor e qualquer um poderia fazer. Só quem convive e trabalha com o futebol sabe como é difícil conseguir. Estou feliz por auxiliar o Bahia a desenvolver essa mentalidade de futebol. Temos que pegar cada situação adversa e buscar ultrapassar com trabalho.

Você tem o carinho de parte da torcida. Ao que atribui isso?
Acho que tem situações que favorecem. O fato de ser gordinho faz com o que o pessoal se identifique e a gente tenta retribuir com carinho, atenção. Essa energia positiva que vem da arquibancada é fundamental. Isso nos fortalece muito. Tem torcedores que vem te abraçar. São situações que são boas de se vivenciar. A entrega é muito grande, o sacrifício, as coisas que você passa... Você pensa em futebol por muito tempo e ainda existe a distância da família. Tem 90 dias que não vou para Piracicaba. Estive com minha família duas vezes neste período quando eles vieram para cá. É uma situação que mexe comigo. Então temos que nos dedicar para fazer os objetivos valerem a pena. A energia que vem do torcedor faz com que você deixe um pouco mais branda essa saudade.

Por outro lado, alguns torcedores o criticam e pedem a sua saída...
Sinceramente, eu não acompanho a esse ponto de saber a que nível está. Se eu acompanhar eu vou me desequilibrar e assim não teria como passar o que preciso passar para meus comandados. O futebol tem uma cultura de achar que tudo vai se resolver em um estalar de dedos. A construção, até para Deus, foi feita em sete dias. Essas situações tem que ser entendidas. o importante não é estar errando o tempo todo e estamos acertando mais do que errando. São justamente as estatísticas que mostram que o trabalho está forte rumo ao que a gente objetiva. Conseguir o resultado final depende muito do que vem na frente. Precisamos estar fortes e apoiados. Peço desculpas a quem eu não tenha atendido às expectativas, mas nem Jesus Cristo conseguiu. Quero ganhar tudo e de goleada assim como eles. Mas trabalho não tem faltado e gerir pessoas não é algo fácil. Às vezes pode escapar algo aqui ou ali, mas buscamos sempre o melhor. A competência pode me faltar, mas a busca por ela não

O Bahia voltou a mostrar a força que tem em Salvador. Não perde em casa desde julho de 2017 e tem 17 triunfos seguidos. A "culpa" é de Guto Ferreira?
É muito fácil falar que foi o Guto. Eu trabalho muito para que isso aconteça fora de casa e tem acontecido. Jogamos 10 partidas fora e ganhamos quatro, empatamos cinco e perdemos uma. As estatísticas... E dentro de casa ganhando todas! Isso é muito importante, mas tudo isso não é só o Guto. É o poder de entendimento do grupo e a energia do torcedor que é fantástica. Por muitos momentos tivemos condições ruins e o torcedor nos jogou para cima. É fácil torcer quando dá tudo certo... Mas fazer o time reverter pelo seu incentivo é muito bom.

Tem algum jogo em especial?
Na reta final da Série B tem vários. Sampaio Corrêa, onde o torcedor acreditou até o fim, Bragantino... Essas duas partidas foram emblemáticas. Esse tipo de situação é muito importante. E essas partidas mostram a força do torcedor, que fazem com que o jogador tenha algo extra para ações diferenciadas e o triunfo. Vencer é bom e ver a alegria do torcedor no YouTube... a torcida saindo da Arena em dias de triunfo é fantástico. A energia transcende e esperamos que no final de maio tenhamos mais momentos como esses. Quando o torcedor joga junto fica muito mais gostoso.

O Bahia terá pela frente uma sequência de clássicos contra o Vitória. Como a equipe deve agir nesses jogos?
Cada momento é um momento. Temos que passar e encontrar dentro do momento o nosso melhor. Temos que buscar nosso melhor trabalho, desempenho, dedicação e jogando com 12, 13, 14... Temos que efetivar esse melhor momento e sairmos vencedores. Sabemos das dificuldades e da situação que passa o rival. As duas equipes estão bem nas competições. A gente está um pouco melhor na Copa do Nordeste, eles melhores no Campeonato Baiano. Independente do que venha, é procurar fazer o melhor.

A eliminação da Copa do Brasil contra o Paraná ainda abate o grupo?
Tudo depende de como você encara o que aconteceu. Não vou dizer que tem males que vem para bem. O mal pode te jogar lá para baixo e temos que ser fortes. O mais importante é essa queda ensinar e acho que vem ensinando coisas importantes, mas vamos saber quando tudo afunilar nos momentos finais. Não foi uma partida que o Bahia jogou mal, mas tivemos erros que não poderíamos cometer. Fica o aprendizado e agora é olhar para frente. É a avaliação dos erros para não cometer mais.

Em Portugal você treinou o Penafiel e a Associação Naval. Recentemente, esteve acompanhando jogos na Alemanha. Pode falar sobre essas experiências? 
A minha passagem foi em 2003/2004 e 2004/2005. Ambos na Segunda Liga. As duas equipes chegaram ao acesso e foi importante conhecer uma nova cultura de futebol. Nessa época o Mourinho trabalhava no Porto e todo o seu estilo vinha aflorando. Acompanhava as entrevistas, a equipe e jogamos contra equipes muito táticas, o que dá muita cancha. Com os dois clubes que montamos conseguimos o acesso. Fora isso, já tinha estado por dez dias no Barcelona, acompanhando o trabalho de base. Também estive no Porto, com o Lopetegui e neste ano estive na Alemanha, passando uma semana no Stuttgart e no Hoffenheim. Ninguém vai lá ver receita de bolo. Vamos para conceituar e aprender outras ideias. A gente não para só no futebol brasileiro, estudamos outros treinamentos.

Técnicos em todo o Brasil tem pedido pela Lei Caio Júnior, que regulamenta a profissão. Qual a real importância na sua opinião?
Tem vários aspectos. Passa pelo respeito e não é só pelos treinadores de séries A, B e C. Mas se pegarmos os técnicos dos estaduais, quantos têm contrato assinado? Quanto tempo dura? Eles também são pais de família. Queremos a profissão regulamentada para termos leis que favoreçam e possam dar tranquilidade para o prossional. Do jeito que está a carreira, qualquer um pode ser técnico. Basta um curso de final de semana. Como um técnico desse pode dar conhecimento, respaldo moral e técnico ao jogador? Tem isso também. 'Ah, mas vocês querem elitizar'. As carreiras reconhecidas, até pela concorrência, são elitizadas. Vai dizer que a medicina não é elitizada? Não queremos chegar numa situação de medicina. Porque eles estão bem alicerçados? Porque eles estudam para chegar ali. Se queremos um produto de alta competência, precisamos estar preparados. Para estarmos preparados, precisamos de direcionamentos que nos ofereça essa condição. Nosso trabalho carece de tempo para dar resultados. Mas hoje todos podem ser técnicos.

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