sábado, 19 de outubro de 2013

Franciel Cruz: Pica-pau adia o fim do mundo

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ecvitória
“Feijoada que não posso comer, meto o dedo pra azedar”.

Esta ancestral traquinagem praticada pelos desafortunados rebeldes parece agora ser o axioma que guia os isentos e impolutos comentaristas esportivos da paulicéia.

O problema é que, como toda a apropriação indébita, esta tentativa dos defensores do império bandeirante ludopédico de estragar a comilança alheia beira o patético.

Inicialmente, ao perceber que os seus queridos times estavam fora do banquete, eles começaram a criticar a má qualidade da comida. “Nunca houve uma competição tão ruim, com nível tão baixo”, pregavam, fingindo olvidar que, há séculos, predomina nas quatro linhas de Pindorama um cardápio absolutamente insosso.

Não satisfeitos, lançaram a praga fatal em forma de profecia que se pretende auto-realizável (deixa o hífen, revisor sacana). “Acabou o rango, galera. Quem comeu, comeu”.

Talqualmente os sujeitos indeterminados da canção de Assis Valente, anunciaram a garantiram que o campeonato e o mundo (o que dá no mesmo) iam se acabar com 500 rodadas de antecedência. E diziam isso com a convicção dos estúpidos, escanteando até mesmo o inexorável Sobrenatural de Almeida.

Porém, na noite desta quinta-feira, apesar do trânsito cada vez mais esculhambado de Salvador, cerca de 20 mil pessoas não deram ouvidos a esta conversa mole dos apocalípticos e subiram a pirambeira rumo ao Parque Sócio Ambiental, Santuário Ecológico, Manoel Barradas, o Monumental Barraquistão, para acompanhar a peleja entre o Botafogo de Clarence Seedorf e o Vitória de Pica-Pau.

Menos de cinco minutos de bola rolando, e o estreante rubro-negro Marcelo, com a inexperiência de seus 19 anos, parece querer confirmar a profecia dos abutres. Joga contra o patrimônio e deixa Lodeiro de cara para o crime. Porém, o uruguaio vacila e impede que a nação amaldiçoe toda a árvore genealógica do camisa 5 do Leão. Depois disso, o guri se redime e toma conta da zona do agrião como se ali já habitasse há milênios. Dribla, passa, chuta com uma categoria de orgulhar o velho Bigu, que vestiu o mesmo manto na década de 80. 

Quem não se redime nunca, porém, são os homens de preto. O sacana mineiro e ladrão (desculpe-me as redundâncias) queria enojar o baba de qualquer jeito, talvez mancomunado com nefastos profetas do fim da história. 

Sim, amigos de infortúnios, anular um gol com o jogador mais de meio metro em posição legal, tudo bem, mas não chamar a Secretaria de Segurança Pública para prender o lateral Edílson que agrediu Juan na área foi um pouco demais. Contudo, o desinfeliz do apito não achava nada muito. Além de ignorar o pênalti mais claro da história do pebolismo latinoamericano, ele ainda presenteia o número 6 do Vitória com um cartão amarelo. (Para um sacana como Alício, não se pode ter pena: só borracha porque cadeia relaxa). 

Mas, derivo. 

O fato é que o Vitória, apesar de realizar sua melhor partida neste Felicianão, estava numa situação triste e amargurada, pois praticamente se despedia do sonho libertador. E quando a casa já começava a feder a homem, num alvoroço dos 600 DEMÔNHOS, o técnico botou em campo Pica-Pau, que inventou a batucada pra deixarmos de padecer. Salve o prazer. Salve o prazer de podermos testemunhar, novamente, um verdadeiro milagre da natureza e da ciência. 

Seguinte é este. Caso prevalecesse a lógica cartesiana, nosso herói, no máximo, seria coadjuvante no referido desenho animado. O sujeito é cheio de pernas, de mãos, de cabelos, completamente malamanhado. Apesar de tudo isso, ou talvez por causa disso, coube ao indigitado o papel de calar os profetas e adiar o fim do mundo. 

Seguinte foi este. 

Depois de uma jogada trieletrizante, envolvendo o veterano Juan o imberbe Euler (o bisneto do vento), ali na FAIXA ETÁRIA de 32 minutos e 19 segundos, Pica-Pau mostrou novamente que é possível continuarmos brincando de beliscar (ou seria pinicar?) o impossível. Entrou na área alvinegra como um raio da silibrina (seja lá que porra isto signifique) e mandou a pelota cumprir seu destino.

Por falar em destino, pode parecer determinismo (e é), mas os últimos acontecimentos levam a crer que está reservado ao desengonçado atacante um papel crucial nesta história. Noves fora as caricaturas, ele é um personagem complexo. Um homem-síntese. Ao mesmo tempo que tem a cara do Pica-Pau, possui nome de príncipe (William Henrique 1º e Único), mistura fidalguia com a plebe, alta cultura com mass midia e gols, muitos gols. Desde que estreou, há seis partidas, apesar de entrar sempre no finalzinho, sempre desequilibra, em todos os sentidos. E já marcou três gols decisivos, adiando o fim do mundo e das esperanças Rubro-negras, o que dá no mesmo. 

Então, é isso: América, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros que nós queremos sambar.

Franciel Cruz 

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