sexta-feira, 25 de novembro de 2016

De quem é a culpa da possível tragédia do Internacional?

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A tentativa do Internacional em recorrer os fóruns da justiça esportiva para evitar, ou talvez apenas adiar uma queda inevitável, parece ser uma resposta da direção do time gaúcho atendendo apenas o desespero natural e justificável do tradicional clube gaúcho que caminha pela primeira para experimentar a negação de um dos seus slogans que sempre sustentou sua força: o fato de nunca ter caído para a 2ª divisão, ainda que o privilégio não seja uma exclusividade do Internacional: Cruzeiro, Flamengo, São Paulo e Santos jamais jogaram a divisão de acesso. Mas o que aconteceu com o time gaúcho que chegou a liderar a competição e quando enfrentou e perdeu no Vitória no 1ª turno ostentava a condição de 18 jogos de invencibilidade? Bom, somente eles, os gaúchos têm propriedade para tamanha aventura.

O texto publicado e assinado por Corneta Colorada na semana passada dá seu palpite e pergunta ao tempo que responde: Onde está a Verdade? Simples: Está onde sempre esteve, na obra de Aristóteles.

Veja é bem criativa.

Há quem fale da montagem do grupo e da ideia de futebol. Há quem fale de Falcão, de Argel e há, eu juro, quem ainda fale de Diego Aguirre. Há quem fale de coerência, de sistema tático, de futebol moderno e de fechar a casinha.

Há quem fale que Celso Roth deveria ter sido demitido antes. Há quem fale que Roth não deveria ter sido demitido. Há quem fale que Celso Roth nunca deveria ser contratado. Celso Roth se despede dizendo “até a próxima”.

Há quem diga que a culpa é dos vidros do Beira-Rio, do cabelo dos jogadores e dos carros que eles dirigem. Há tudo isso porque nos momentos de desespero as pessoas não procuram por resposta, mas por abrigo: abrigo para proteger-se da Verdade. E onde está a Verdade? Está onde sempre esteve, na obra de Aristóteles.

O sábio grego nunca escreveu sobre treinadores, sistemas táticos de futebol e técnicas motivacionais, porque nada disso não faz diferença. Aristóteles nos deixou a sua Poética, onde está explicado o que faz a diferença: hubris, hamartia, peripeteia e anagnorisis.

As forças imemoriais descritas por Aristóteles estão em ação em toda a arte relevante e também em cada um dos momentos decisivos que levaram o Internacional ao rebaixamento. Recapitulemos.

Em algum momento do final de 2014, Vitorio Piffero foi ao Beira-Rio e enxergou um estádio que ele acreditou ter ajudado a construir receber uma Copa do Mundo. Viu o que poderia ser o início de uma nova Era de Ouro.

Mas também viu que não teria participação nela, apesar dos seus esforços pretéritos. Viu que poderia se tornar um coadjuvante da história colorada. Acreditou que isso não precisaria ser assim. Como Macbeth, encontrou bruxas em um pântano. Elas lhe disseram que ele seria Rei e ele gostou da ideia: hubris.

Piffero ganhou a eleição e colocou a roda da fortuna em marcha. O time estava na Libertadores. O estádio estava sob o controle total do clube. Como o Adão do Paraíso Perdido, recebeu tudo. Era suficiente para permanecer de pé, mas livre para cair.

E ele caiu. Ignorou Abel Braga, esnobou Mano Menezes, insinuou que contrataria o Tite e descartou um técnico estrangeiro. Na semana seguinte, trouxe o Diego Aguirre.

O uruguaio treinou o time por 227 dias. Entre a inconstância do time, o início pífio no campeonato brasileiro e os problemas de preparação física, poderia ter sido demitido em 220 deles: seria o certo, como era certo que os filhos de Agamenon vingassem a morte do seu pai.

Piffero decidiu demiti-lo em um dos sete dias em que fazê-lo era errado, como era errado que Orestes matasse Clitemnestra depois dessa afirmar a sua inocência e declarar o amor materno: três dias antes de um Grenal.

Deu errado. Tentando resolver o problema, Piffero contratou Argel como Édipo casou com Jocasta: alheio ao significado transcendente e das consequências desastrosas das suas ações. Feliz. Confiante. Essencialmente errado: Hamartia.

Viu o time prosperar, ganhar o Gauchão e chegar à liderança do Brasileirão como Prometheus viu a humanidade prosperar ao receber o fogo: com a arrogância daqueles que ignoram o que o Destino lhes reserva.

Em junho, o Inter recebeu no Beira-Rio um Botafogo que estava na zona de rebaixamento e tinha o pior ataque do campeonato. O momento desafiava a compreensão do torcedor colorado. Camilo foi o mensageiro do nosso Édipo: o Inter perdeu. A sorte virara: peripeteia.

O Inter não perdeu apenas para o Botafogo. O Inter perdeu e perdeu e perdeu e perdeu. Com o Beira-Rio em chamas, Piffero viu o sacrifício das pessoas que lhe eram mais próximas: Pelligrini, sua Eurídice e Falcão, o seu Hêmon. Tentou fugir do papel de protagonista do seu destino trágico, entregado o poder de decisão para terceiros.

Como Édipo ao ouvir o seu mensageiro, como Electra ao ver Orestes, como o Rei Lear ao reencontrar Cordélia, Piffero viu o que fizera entendeu o horror: anagnorisis. Como Édipo arrancando os próprios olhos, preferiu não ver mais.

Não adiantou. O Inter perdeu e perdeu e perdeu e perdeu. Piffero foi ao exílio. Vive em meio a selva, no coração das trevas, junto com uma tribo de selvagens seminus, engajados num culto absurdo no qual o delírio substitui a realidade.

Eles aguardam que o Destino lhes alcance, andando em círculos anti-horários ao redor de Lisca Doido, balbuciando com olhos rútilos e lábios trêmulos o seu novo mantra: “o Inter não vai cair. O Inter não vai cair. O Inter não vai cair”.

O estado de negação da realidade é uma constante para Vitorio Piffero. Assim como agora ele se nega a crer que o Inter já está rebaixado, em algum momento ele acreditou que um outro Inter havia se tornado o Campeão de Tudo.

Não sei se Vitorio Piffero aprendeu a lição dessa história. Provavelmente não. Nunca aprender nenhuma lição é uma condição patológica dele. Mas isso não importa. O que importa em uma tragédia é outra coisa: que o público aprenda a lição.

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