quarta-feira, 8 de junho de 2016

E.C Vitória: E essa tal "obrigação de vencer"?

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No futebol, um dia alguém falou que uma equipe tinha a "obrigação de vencer", e essa frase virou lugar-comum. Ora, e se não cumprir tal "obrigação" (a de vencer), o que fazer com o perdedor? Prendê-lo? Torturá-lo? Matá-lo? 

Essa frase traz a semântica da soberba. É própria de quem se julga melhor que o outro. E, sendo melhor, teria a "obrigação de vencer" o adversário. Quem fala ou escreve isso parece ignorar que o jogo de futebol comporta três tipos de resultado (a vitória, a derrota e o empate). E que, dentro de campo, são onze contra onze.

Se ao menos o saudoso e sábio Mané Garrincha ainda estivesse por aqui, para manter um pouco de luz nessas trevas, talvez ele relembrasse a todos nós: "Já combinaram com os russos?"

Em fevereiro de 2013, o doutor Eduardo Gonçalves de Andrade, o craque Tostão, escreveu na revista Piauí um texto iluminado, com o título "Obrigação e retrocesso". Referia-se ele a uma declaração de Felipão e Parreira, antes da Copa de 2014: "Ganhar a Copa no Brasil é uma obrigação", disseram os dois comandantes. Segundo Tostão, "dizer que 'vencer é uma obrigação' pode ser entendido como uma declaração otimista e corajosa, mas também como algo ufanista e autossuficiente, muito próximo da soberba".

O resultado da "obrigação de vencer a copa" nós já sabemos.

Trago aqui esta reflexão a propósito de um texto publicado no jornal Zero Hora do último sábado. O diário gaúcho possui em seus quadros um respeitável comentarista, Luiz Zini Pires, que é referência na crônica esportiva do estado. E é bem provável que o texto de sua coluna tenha repercutido na partida Vitória X Inter, no Barradão. Ao fazer previsões sobre o jogo, ele disse, já no título: "O Vitória não tem muito o que mostrar contra o líder do Brasileirão".


E disse mais: "Vencer no Nordeste é uma obrigação das equipes que desejam permanecer na liderança". Ou seja, acabou cutucando não só o Leão da Barra (Vitória), como o Leão da Ilha (Sport) e a Cobra Coral (Santa Cruz), o trio nordestino que disputa a primeira divisão.

O resultado do jogo nós sabemos: o Vitória – que "não tinha muito o que mostrar", segundo o comentarista - acabou mostrando. Ou seja, "sem obrigação" de vencer, venceu. Já o Inter, com ou sem "obrigação", não mostrou no jogo nada que justificasse o status, até então, de líder - e invicto!

É bem possível que os jogadores do Vitória tenham tomado conhecimento do texto, já que, ao final do jogo, o goleiro e capitão da equipe, Fernando Miguel, que é gaúcho e já jogou no Grêmio, respondeu ao comentarista. "Eu vou responder um colunista lá do Rio Grande do Sul chamado Luiz Zini Pires", disse o arqueiro, ressaltando ser "leitor da coluna dele, gosto, respeito muito ele, mas a forma como ele relacionou o Vitória com o Inter para o jogo de hoje foi em um sentido pejorativo. Aqui no Nordeste se faz um trabalho muito sério", revelou, "as pessoas se esmeram todos os dias pra bater de frente com todas as equipes do Brasil, independente do nível delas".

E lembrou: "[Aqui] ganhamos do Corinthians, ganhamos do atual líder, então um pouquinho mais de respeito com o Nordeste, um pouquinho mais de respeito com o Vitória".

O Inter, pelo que jogou, não merecia o excessivo favoritismo apontado pelo comentarista. Já o Vitória parecia motivado por algo a mais, tendo chances de matar o jogo com dez minutos de partida. Aliás, o placar poderia até ter sido maior caso o árbitro expulsasse, no início, o zagueiro Paulão que era o último homem e fez falta violenta (tesoura) - e se marcasse um pênalti claro para o Vitória.

No futebol, é claro, às vezes pisamos na bola, somos falíveis (atletas, treinadores, cronistas e torcedores). Mas precisamos falar sobre isso, precisamos ver aflorados os conflitos, não necessariamente os confrontos.

Este é o objetivo do presente texto, o de trazer a reflexão. Precisamos opinar, mas respeitar. Divergir, mas não brigar. Precisamos fazer prognósticos sem menosprezar os adversários.

Por isso, com todo respeito, quero agradecer ao jornalista, meu colega Luiz Zini Pires, pela força motivadora que, sem nenhuma "obrigação", acabou dando ao meu time. Sem sua "cutucada", talvez o Vitória não tivesse o que mostrar, não é mesmo? Mas o Vitória mostrou – por 1 a 0 – que no futebol há três resultados possíveis (vitória, derrota e empate). E que, em campo, são onze contra onze.

Marcelo Torres é jornalista, baiano, torcedor do Vitória, mora em Brasília

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